Documentário é ficção? E como ficam os fatos de um documentário? Carlos Nader responde
O cineasta reconhecido por seus documentários biográficos reflete sobre a ficcionalidade do gênero e a noção de verdade
Quando pensamos em documentário, precisamos ter em mente um conjunto de questões relevantes ao gênero: a noção de verdade, a contraposição entre real e ficcional e os limites éticos e estéticos que se impõem a esse tipo de cinema.
Carlos Nader trouxe algumas dicas essenciais para quem quer fazer um documentário, neste post aqui do blog, e agora aprofunda sua análise sobre o conceito de documentário e o de ficção.
Documentário é ficção
Carlos Nader defende a noção de documentário como objeto estético cinematográfico posto que, a partir do momento em que as coisas do mundo (“reais” ou “factuais”) são filmadas, elas deixam de ser “coisas do mundo” e se tornam filme.
O cineasta fundamenta a ideia controversa de que “documentário é ficção”. Ele esclarece, de acordo com a etimologia da própria palavra, que a palavra ficção vem do latim fictionem, que significa “molde, forma”. Não é por outra razão que a palavra escultor em latim seja fictor. Por isso, fazer ficção significa nem mais nem menos que “esculpir, dar forma” àquilo que se vê ou se imagina.
Em um processo muito parecido com o da ficção tradicional, o documentarista observa, capta filhos e imagens do chamado “mundo real” para depois dar uma forma audiovisual a esses elementos, transformando-os numa história. Também não é muito diferente da ficção tradicional o processo de criar personagens, marcar pontos de virada, ressaltar conflitos, buscar transcendências, redenções, etc.
Como definiu o cineasta Andrei Tarkovsky, fazer cinema é “esculpir o tempo” - dar forma a um objeto estético temporal. Assim, a sensação de “verdade” ou de “realidade” no documentário depende, tanto quanto na ficção, da intensidade de sensações geradas pelas imagens que configuram uma história.
Cuidado com a noção de "fato"
Carlos Nader destaca a importância da linguagem e da subjetividade no documentário. A realidade, desde o primeiro momento em que ela é narrada, torna-se eminentemente linguística e específica.
O documentarista sugere um olhar cauteloso ao conceito de “fato” como bastião da objetividade. O fato também é uma narrativa, mesmo que hiper resumida, em que a realidade é necessariamente apreendida e comunicada por alguém, por uma subjetividade.
Pensar nas contradições, como essas que Carlos Nader nos propõe refletir sobre, também é parte de fazer um bom documentário - e contribui para assistirmos com um olhar mais amplo e analítico.
“Sim, documentário é ficção. Mas o que precisa ser revisto não é só o conceito de documentário. É sobretudo o conceito de ficção” - diz Nader. Se você quiser entender melhor essa perspectiva importantíssima a quem pensa documentário, assista à aula gratuita do curso Documentário Autoral com Carlos Nader agora mesmo.