Poesia: o que é e por onde começar
Muitos autores iniciantes são apaixonados por poesia, mas entram em pânico na hora de escrever um poema. Por onde começar? O que difere a poesia da prosa? Quais elementos compõem o texto poético? É o que vamos ver a seguir.
O que é a poesia?
Não existe uma definição única de poesia e, aliás, seria muito difícil que houvesse. Por trabalhar com as palavras de forma solta, apropriando-se mais de seus sentidos conotativos (figurados), e não denotativos (literais), a poesia é por excelência o campo onde o texto pode se desprender de uma exatidão do discurso.
Nada melhor que duas definições complementares de expoentes dessa arte como exemplos desse universo de sentidos amplos.
Para o poeta francês Paul Valéry, a poesia é a “hesitação prolongada entre som e sentido”. A poesia estaria nesse meio de campo: de um lado, traz o valor puramente musical das palavras e, do outro, o significado que elas veiculam. Quanto mais prolongada é essa hesitação, maiores seus efeitos líricos.
Já o poeta estadunidense Robert Frost define a poesia como “aquilo que se perde na tradução”. Não se trata apenas do vocabulário, do som e do ritmo das frases, mas também das associações que as palavras podem gerar.
Por exemplo: para um leitor de poesia brasileira, a palavra ‘rosa’ pode sugerir tanto a “rosa do povo” de Carlos Drummond de Andrade quanto a “rosa de Hiroshima” de Vinícius de Moraes, enquanto um leitor de poesia alemã pode associá-la à “rosa de ninguém”, de Paul Celan, entre outros. Cada uma dessas rosas se refere a um universo semântico único, cujas impressões e sensações não podem ser transmitidas literalmente.
De onde vem a poesia
Dentre a documentação escrita, a poesia é uma das mais antigas. Os poemas dos gregos Homero (autor de Ilíada e Odisseia) e Hesíodo (Teogonia e Os Trabalhos e os Dias) datam de quase um milênio antes da era Cristã.
Se no início a escrita em versos era majoritariamente usada para narrar grandes feitos do povo grego, lições religiosas e de vida, durante a Idade Média tomou a forma de cantigas de amor, amigo, maldizer ou de escárnio declamadas por trovadores, o chamado trovadorismo.
A partir da Modernidade e com o advento da imprensa (o dispositivo de tipos móveis pelo qual se imprimiam livros e diversas outras publicações), os versos popularizaram-se entre leitores e escritores, e suas formas passaram a coincidir com movimentos literários, como o Romantismo, Parnasianismo, Arcadismo, Surrealismo e Concretismo.
Hoje, a poesia é mais livre de formas pré-estabelecidas e existe uma enorme variedade de estilos.
Busto de homero, autoria desconhecida
(foto Marie-Lan Nguyen, Museu do Louvre, CC)
Diferença entre poesia e prosa
A principal diferença entre poesia e prosa está na forma de organização do texto. A poesia pressupõe uma divisão de suas linhas (chamadas versos) a partir da métrica, da sonoridade e das imagens, de acordo com o efeito que se pretende causar no leitor. Já o texto em prosa tem suas frases divididas de acordo com sua organização sintática, que consiste basicamente em sujeito, verbo e predicado. Na poesia, esses elementos não precisam estar juntos no mesmo verso.
Por exemplo, se pegarmos a primeira estrofe do Hino Nacional Brasileiro, escrita em versos, teremos:
Ouviram, do Ipiranga, as margens plácidas,
De um povo heroico, o brado retumbante,
E o sol da Liberdade, em raios fúlgidos,
Brilhou no céu da pátria nesse instante.
Ao organizarmos essa mesma estrofe em prosa, sem nos atermos à métrica, às rimas e às imagens pretendidas, teremos:
As margens plácidas do Ipiranga ouviram o brado retumbante de um povo heroico, e nesse instante o sol da Liberdade brilhou em raios fúlgidos no céu da pátria.
Portanto, a organização da prosa leva em conta a estrutura sintática da frase, enquanto a poética considera a métrica, as rimas e as imagens. Mas como funcionam cada um desses elementos?
Os elementos da poesia
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Métrica
A métrica consiste na divisão dos versos em sílabas poéticas, diferentes das sílabas gramaticais. Isso porque as sílabas poéticas levam menos em conta as divisões da palavra e mais o som das divisões do verso
Por exemplo, usando ainda o Hino Nacional, consideremos seu primeiro verso:
Ouviram, do Ipiranga, as margens plácidas
Ao dividirmos suas sílabas poéticas, teremos:
Ou - vi - ram, - do I - pi - ran - ga, as - mar - gens - plá - ci - das
Embora “do” e “Ipiranga” sejam duas palavras distintas, quando lidas dentro do verso mesclam suas sonoridades, e por isso “doI” é uma sílaba poética. Da mesma forma, acontece com “Ipiranga” e “as”. A sonoridade da sílaba final de “Ipiranga” funde-se com o artigo “as” e a sílaba poética fica “ga,as”, como um som único.
A divisão de sílabas poéticas é chamada de escansão.
Ao longo da História da poesia, existiram muitas formas fixas poéticas que exigiam uma métrica específica. Alguns exemplos são os sonetos e os versos alexandrinos, entre outros. Na atualidade, a forma poética obedece muito mais a uma sensibilidade do autor quanto ao ritmo, à métrica e à versificação de seu texto do que a formas preestabelecidas.
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Rima
Rima é a coincidência sonora e de acento tônico entre as palavras. Em geral, aparece no final dos versos (rima externa) a fim de acentuar a musicalidade, embora possam ocorrer dentro dos versos (rima interna). Como no exemplo:
chamar isso de floresta
onde resta só uma vala?
se a lâmina com fome
come inteira a floresta
afinal como chamá-la?
post mortem, seu nome
cala?
Quando a coincidência dos sons é total, são rimas perfeitas ou consoantes (floresta/ resta, fome/ come/ nome, vala/ chamá-la/ cala). No caso de coincidência das vogais, são rimas toantes (nome/ mortem).
Há também rimas aliterativas, em que a coincidência sonora se restringe às consoantes, por exemplo:
tragam a pá
traguem o pó
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Recursos expressivos
Além de considerar a rima, que cria a impressão sonora do poema, e a métrica, que imprime ritmo ao texto poético, o escritor deve ter em vista os recursos expressivos, de ordem semântica. São os recursos de criação de sentido a partir das imagens inseridas na poesia.
O poeta é um artesão da palavra e do discurso. Seu sucesso é condicionado por sua capacidade de transmitir sensações e imagens por meio de construções verbais inusitadas, que surpreendam e atinjam o leitor. Por isso, quem escreve poesia deve evitar os clichês de estilo.
Eles podem vir em forma de palavras banalizadas pelo excesso de uso em versos, como “alvorada” no lugar de “manhã”, ou “prenhe” em vez de “cheio”.
Fuja também de expressões de linguagem batidas, do tipo “o amor é uma flor” ou “mar revolto”.
O efeito poético nos toca mais profundamente quanto menos esperado. Como no clássico parnasiano de
Raimundo Correia, As Pombas:
Vai-se a primeira pomba despertada...
Vai-se outra mais... mais outra... enfim dezenas
De pombas vão-se dos pombais, apenas
Raia sanguínea e fresca a madrugada...
E à tarde, quando a rígida nortada
Sopra, aos pombais de novo elas, serenas,
Ruflando as asas, sacudindo as penas,
Voltam todas em bando e em revoada...
Também dos corações onde abotoam,
Os sonhos, um por um, céleres voam,
Como voam as pombas dos pombais;
No azul da adolescência as asas soltam,
Fogem... Mas aos pombais as pombas voltam,
E eles aos corações não voltam mais…
Aqui, as pombas são o contraponto perfeito para os sonhos da adolescência. Enquanto as pombas voam para longe assim que “raia sanguínea e fresca a madrugada” (note-se a forma original e bela de substituir a imagem da alvorada, com seus raios vermelhos de sol despontando), os sonhos juvenis partem dos corações para nunca mais voltar.
Figuras de linguagem são bem-vindas, sendo a mais comum a metáfora (uso de uma palavra para substituir outra com a qual guarda características semânticas similares). Outras delas são metonímia, comparação, ironia, antítese, hipérbole e muitas mais.
Leia poesia a toda hora, todo dia
Não adianta: quem não gosta de ler não pode sonhar em ser escritor. Isso vale ainda mais para poesia, uma área expressiva que na atualidade não tem uma forma prévia de metrificação e versificação.
Lendo outros poetas, você vai descobrir estratégias e recursos diferentes e poderá adaptá-los para seu próprio texto. Também vai descobrir qual estilo de escrita poética mais te interessa.
Só assim você terá sucesso em transformar suas sensações e sentimentos em versos e imagens consistentes e impactantes. Afinal, o ponto de partida de sua poesia será sempre seu universo interno, emocional, mas para trazê-lo à tona de forma expressiva e arrebatadora, é preciso trabalhar (e muito) a palavra, o verso, o ritmo e o som.
Como diria a poeta Sylvia Plath: “Penso que a minha poesia seja fruto da experiência de meus sentidos e da minha emoção, mas devo dizer que não posso ter simpatia por aquele ‘grito do coração’ (...). Creio que se deva saber controlar as experiências, até as mais terríveis, como a loucura, a tortura (...). E se deva saber manipular com uma mente lúcida que lhe dê forma (...).”
Agora que você já aprendeu o conceito de poesia e seus elementos, esperamos que as dicas abordadas ao longo desse conteúdo ajudem a aumentar ainda mais sua criatividade de escrita em versos.
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